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  • ANTES DA PAUTA: LINHAS PARA PENSAR O ENSINO DO JORNALISMO NO SCULO XXI

    Enio Moraes Jnior

    Luciano Victor Barros Maluly Dennis de Oliveira

    (Organizadores)

    ECA-USP So Paulo/2013

  • ANTES DE PAUTA: LINHAS PARA PENSAR O ENSINO DO JORNALISMO NO SCULO XXI

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    Copyright Enio Moraes Jnior, Luciano Victor Barros Maluly e Dennis de Oliveira.

    Todos os direitos reservados. Proibida a reproduo total ou parcial, de qualquer forma e por qualquer meio mecnico ou eletrnico, inclusive atravs de fotocpias e de gravaes, sem a expressa permisso do autor:

    Coordenao Editorial: Enio Moraes Jnior e Luciano Victor Barros Maluly Organizao: Enio Moraes Jnior, Luciano Victor Barros Maluly e Dennis de Oliveira Diagramao e Projeto Editorial: Ulisses Rodrigues de Paula

    Catalogao na Publicao Servio de Biblioteca e Documentao Escola de Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulo

    A627m Antes da pauta: linhas para pensar o ensino do jornalismo no sculo XXI / Enio Moraes Jnior, Luciano Victor Barros Maluly, Dennis de Oliveira (organizadores) -- So Paulo: ECA/USP, 2013.

    153 p.

    9788572051057

    1. Jornalismo Estudo e ensino Brasil 2. Jornalismo Estudo e ensino Portugal 3. Jornalismo como profisso Brasil 4. Jornalismo como profisso - Portugal I. Moraes Jnior, Enio II. Maluly, Luciano Victor Barros III. Oliveira, Dennis de.

    CDD 21.ed. 070.07 ____________________________________________________________________________

    UNIVERSIDADE DE SO PAULO Prof. Dr. Joo Grandino Rodas

    Reitor

    Prof. Dr. Mauro Wilton de Sousa Diretor da Escola de Comunicaes e Artes

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    Para Jos Coelho Sobrinho.

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    Para ser tico, o Jornalismo tem de assumir, como fonte das suas prprias razes de ser, os valores civilizacionais consagrados pela experincia humana de viver, que do

    contedo Declarao Universal dos Direitos Humanos.

    Manuel Carlos Chaparro

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    SUMRIO

    INTRODUO, p. 06

    Parte I

    Equipes educativas: possibilidade interdisciplinar no ensino do jornalismo, p. 10 Enio Moraes Jnior e Joo Formosinho

    Tudo ao mesmo tempo agora: o ensino de jornalismo em cenrio permanente de mudanas, p. 31

    Mrcia Marques

    A formao necessria do jornalista, p. 57 Dennis de Oliveira e Luciano Victor Barros Maluly

    Prtica e teoria: equilbrio obrigatrio para uma boa formao profissional, p. 68 Miguel Crespo

    Parte II

    Nmeros e factos do ensino superior de Jornalismo em Portugal: de como o excesso de procura resultou em excesso de oferta, p. 79

    Pedro Coelho Diretrizes Curriculares: novos caminhos para a formao do jornalista, p. 103

    Maria Elisabete Antonioli Brasil e Portugal: problemticas e orientaes no ensino do Jornalismo, p. 116

    Nancy Nuyen Ali Ramadan A essncia do jornalismo est na apurao, p. 138

    Jos Coelho Sobrinho

    SOBRE OS AUTORES, p. 154

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    INTRODUO

    Se o jornalismo instrumento de cidadania, cabe ao profissional da rea fazer de seu ofcio uma ferramenta em prol do interesse pblico. Neste contexto de lutas pela defesa dos direitos humanos e da democracia, a dimenso poltica determina a preparao do jornalista e a torna to importante.

    Vive-se tempos em que a economia global pressupe uma comunicao voltil, veloz e com forte aparato tecnolgico. A troca de informaes e de bens simblicos tem

    auxiliado na gerao de uma riqueza at ento sem precedentes para algumas sociedades, mas oprime e exclui populaes e comunidades.

    Talvez mais do que em qualquer outro momento da histria, os cidados precisem do jornalismo para perceber e interpretar o cotidiano. Este fato, obviamente, tem implicaes para a formao do jornalista.

    Havendo formao acadmica ou tcnica, obrigatria ou no o que preciso ensinar? Qual a nfase: a teoria ou a prtica? Como e at que ponto possvel articul-las em projetos pedaggicos?

    Foi em meio aos questionamentos oriundos das atividades como professores e pesquisadores, que surgiu a possibilidade de organizarmos este livro, uma catarse realizada em conjunto com alguns colegas, tambm cheios de (in) certezas sobre o jornalismo e o ofcio de formadores de jornalistas.

    ANTES DA PAUTA: LINHAS PARA PENSAR O ENSINO DO JORNALISMO

    NO SCULO XXI traz um conjunto de oito textos escritos por autores do Brasil e de Portugal. Todos docentes e inquietos em relao formao dos profissionais de comunicao, empenhados menos em responder questes, mas sobretudo interessados

    em possibilitar reflexes. Talvez porque a vida em sala de aula nos tenha ensinado que as dvidas mais pertinentes no so as que geram grandes respostas, mas as que implicam provocaes desafiadoras.

    Os trs textos que abrem o livro abordam o ensino do jornalismo numa perspectiva de prticas pedaggicas. O primeiro texto foi escrito por Enio Moraes Jnior, professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-SP), no Brasil, em parceria com o educador Joo Formosinho, professor da Universidade do Minho, em Portugal. Equipes educativas: possibilidade interdisciplinar no ensino do jornalismo interpreta e prope o desafio de trabalhar nessas equipes na formao dos jornalistas.

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    O segundo texto um relato expressivo nesse sentido. Tudo ao mesmo tempo agora: o ensino de jornalismo em cenrio permanente de mudanas foi escrito pela professora Mrcia Marques, da Universidade de Braslia (UnB), no Brasil. Trata-se de um relato de prticas pedaggicas em que a professora narra os mtodos da sua experincia frente da redao Campus, produo laboratorial compartilhada e co-responsabilizada com alunos de jornalismo.

    O terceiro um ensaio dos professores Dennis de Oliveira e Luciano Victor Barros Maluly, da Universidade de So Paulo, que partem de uma viso politizada do jornalismo e da sua crise para discutir o ensino. A formao necessria do jornalista traz, bem ao estilo alternativo, elementos provocadores para pensar o ensino do

    jornalismo. No quarto texto, Miguel Crespo, professor do Centro Protocolar para a

    Formao Profissional de Jornalistas (Cenjor), em Portugal, traa um painel da formao fora do mbito dos cursos superiores, ocorrncia pouco comum no Brasil, mas

    recorrente em Portugal. Prtica e teoria: equilbrio obrigatrio para uma boa formao profissional constitui uma possibilidade para conhecer um pouco dos percursos pedaggicos em cursos tcnicos de formao de jornalistas.

    A segunda parte do livro apresenta um painel sobre o ensino do jornalismo. No quinto texto, Pedro Coelho, professor da Universidade Nova de Lisboa (UNL), em Portugal, traa um perfil da formao de jornalistas lusitanos. Nmeros e factos do ensino superior de Jornalismo em Portugal: de como o excesso de procura resultou em excesso de oferta um texto panormico e eficaz para problematizar a variedade e o volume de cursos de jornalismo.

    Em Diretrizes Curriculares: novos caminhos para a formao do jornalista, Maria Elisabete Antonioli, professora e coordenadora do curso de Jornalismo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-SP), no Brasil, discute a repercusso e as futuras implicaes que podero ter as novas diretrizes nacionais para a formao dos jornalistas brasileiros, apresentadas ao Ministrio de Educao em 2009.

    A professora e pesquisadora da USP, Nancy Nuyen Ali Ramadan, participa deste painel sobre formao de jornalistas com o texto Brasil e Portugal: problemticas e orientaes no ensino do Jornalismo. A autora articula suas pesquisas para

    problematizar os desafios das academias brasileira e portuguesa na formao de jornalistas.

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    O encerramento do livro fica sob responsabilidade de Jos Coelho Sobrinho, docente da USP, que apresenta uma reflexo fundamental para discutir a formao de

    jornalistas: de que jornalismo estamos falando? isso, segundo o professor e pesquisador, que deve ser pensado antes do ensino em A essncia do jornalismo est na apurao.

    Dizem que o bom professor no aquele que aprendeu para ensinar, mas aquele

    que ensina para aprender. Por isso, embora escrito por docentes, este no um livro que contenha frmulas para o ensino do jornalismo, mas uma possibilidade para trocar experincias. ANTES DA PAUTA: LINHAS PARA PENSAR O ENSINO DO

    JORNALISMO NO SCULO XXI prope ser um canal de dilogo entre professores, estudantes, educadores e jornalistas interessados qualificar o compromisso do jornalismo com os cidados.

    Organizadas entre 2010 e 2012, as contribuies so de responsabilidade de seus autores e trazem sonhos e desafios de professores e pesquisadores que, no fundo,

    acreditam na importncia da formao de jornalistas. Este um trabalho que se realiza antes da pauta.

    Enio Moraes Jnior

    Luciano Victor Barros Maluly Dennis de Oliveira

    (Organizadores)

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    Parte I

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    Equipes educativas:

    possibilidade interdisciplinar no ensino do jornalismo

    Enio Moraes Jnior Joo Formosinho

    Com suas primeiras escolas de ensino superior fundadas no incio do sculo passado, o Jornalismo, vinculado s Cincias da Comunicao, chega ao sculo XXI como uma vasta e rica rea do conhecimento. Um artigo publicado nos Estados Unidos

    em 1904 por Joseph Pulitizer The College of Journalism1 e a crescente necessidade de profissionalizao da imprensa por conta de uma demanda de informao jornalstica abriram os caminhos necessrios para a formao superior na rea. Os estado-unidenses foram os pioneiros nesses cursos.

    Em 1908 foi fundada a Escola de Jornalismo de Missouri, com curso de bacharelado na rea, e mais tarde, em 1912, a Escola de Jornalismo de Columbia criou o primeiro curso de mestrado (MARQUES DE MELO, 2007: 13)2. A partir desse momento, despontaram estudos que buscaram apreender o fenmeno da comunicao

    social e a maneira como se dava sua influncia sobre o pblico. Esse foi, afinal, um perodo de acelerado desenvolvimento da cultura e da sociedade de massa. Nos Estados Unidos, Hollywood sedimentava-se, com o cinema, como grande produtora cultural e surgiam as grandes corporaes comunicacionais.

    No sculo XX, eclodiram escolas, pesquisas e estudos sistemticos empenhados em compreender os mecanismos e efeitos da comunicao de massa. No Brasil do incio do sculo, quando a profisso de jornalista comeou a adquirir identidade e prestgio social, at o final dos anos 40, o aprendizado do Jornalismo era extremamente precrio e

    funciona revelia da academia. As primeiras escolas de Jornalismo aparecem apenas em meados do sculo XX.

    Em 1947, com o curso da Escola de Jornalismo Csper Lbero, em So Paulo e, em

    1 Na apresentao do texto, o autor no deixa dvidas sobre sua inteno: A Review of Criticisms and Objections -

    Reflexions Upon the Power, the Progress and the Prejudices of the Press - Why Specialized Concentration and Education in the College Would Improve the Character and Work of Journalists and so Promote the Welfare of the Republic. (Uma reviso de crticas e acusaes - reflexes sobre o poder, o progresso e os preconceitos da imprensa - porque a especializao e a formao na faculdade melhoraria o carter e o trabalho de jornalistas e tambm promoveria o bem estar da Repblica, TRADUO NOSSA). 2 Marques de Melo (2007: 13) observa, entretanto: A primeira escola de jornalismo foi criada em Paris, em 1899,

    por iniciativa do patronato jornalstico francs, mas os ianques se orgulham ao lembrar que as primeiras escolas de jornalismo dentro da universidade surgiram em territrio norte-americano.

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    seguida, em 1948, com o curso da ento Universidade do Brasil (atual Universidade Federal do Rio de Janeiro).

    Em Portugal, somente em 1974 surgiu o primeiro curso de formao regular em Jornalismo, vinculado ao Sindicato dos Jornalistas. A formao superior, embora algumas tentativas de implantao de cursos tenham ocorrido, efetivou-se apenas em 1979, quando foi criada a primeira escola superior para a formao de licenciados e bacharis em Comunicao Social na Universidade Nova de Lisboa.

    Entremeando e cruzando as fronteiras das diversas cincias, as Cincias da Comunicao constituem provavelmente uma das reas de maior disciplinaridade. Isso, obviamente, repercute na sua subrea, o Jornalismo.

    Se, por um lado, essa uma potencial riqueza para explorar o Jornalismo no mbito cientfico, por outro, traz desafios que repercutem no apenas nas pesquisas, mas tambm no exerccio da profisso, tocando profundamente o seu ensino. Para alm das discusses sobre a obrigatoriedade do diploma de nvel superior para o exerccio

    profissional do Jornalismo que no Brasil foi suspenso em 2009 e que em Portugal jamais foi obrigatrio uma discusso sempre pertinente rea diz respeito forma como contedos to alm-disciplinares devem ser ensinados.

    No caso brasileiro, um exemplo disso foram as discusses ocorridas em 2009 e que acabaram por gerar as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Jornalismo3. Essas discusses no se restringiram s escolas de Comunicao Social, imprensa, suas categorias profissionais ou ao Ministrio da Educao. Importantes setores da sociedade brasileira, especialmente organizaes no-governamentais ligadas

    defesa dos direitos humanos e do jornalismo, colaboraram nos debates4. Um consenso entre as instncias foi que, no momento em que ao jornalismo

    somam-se as tecnologias de informao e comunicao, as Diretrizes fossem tambm caracterizadas por uma interao entre essas tecnologias e as Cincias Sociais e

    Humanas na formao dos profissionais da imprensa.

    3 As Diretrizes Curriculares Nacionais para formao de jornalistas entraram em vigor em 2001, mas em fevereiro de

    2009 foi empossada pelo Ministrio da Educao uma comisso de especialistas com o objetivo de rev-las e propor novas orientaes para a formao dos profissionais da imprensa brasileira. A comisso entregou ao ministrio, em setembro do mesmo ano, a nova proposta que ainda tramita nas instncias governamentais. 4Entidades como a Agncia Nacional sobre os Direitos da Infncia (ANDI), a Associao Brasileira de Organizaes No Governamentais (ABONG) e a Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) foram algumas que estiveram presentes nos debates.

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    Em Portugal, os ajustes que o ensino superior teve que fazer a partir do incio dos anos 2000 para adaptar-se s normas do Protocolo de Bolonha5, que procura

    valorizar os ensino das disciplinas laboratoriais, destacando a componente tcnica do ensino, no inibiu a preocupao em articular, na formao do jornalista, tcnica e humanismo. Mesmo com a forma de Bolonha, em que procuramos valorizar mais a componente laboratorial, ns nunca aplicamos, nunca aplicaremos, uma formao que

    no seja culturalmente slida, que no desenvolva o esprito crtico, pondera o jornalista e professor da Universidade do Minho, Manuel Pinto (2010). Para ele, a tcnica do jornalismo se aprende sobretudo nas redaes, por isso cabe escola oferecer principalmente as bases para refletir sobre a sociedade onde se vive e se atua

    profissionalmente.

    Questes desse tipo caracterizam o jornalismo e a formao do seu profissional como uma rea de riqueza disciplinar. Isto acontece tambm no Brasil e em Portugal, pases sobre os quais reside com mais propriedade o foco deste estudo. Tendo em vista

    que em diversos momentos da formao superior, professores e alunos so levados a trabalhar num amplo espectro disciplinar, este artigo apresenta alguns caminhos para se aprimorar essa perspectiva pedaggica dentro de um projeto de equipes educativas interdisciplinares. Para isso, toma como ponto de partida o pensamento dos educadores

    portugueses Joo Formosinho e Joaquim Machado (2008, 2009), ambos vinculados ao Instituto de Educao da Universidade do Minho.

    A questo da interdisciplinaridade: um panorama conceitual

    No Brasil e em Portugal, os cursos de jornalismo sempre estiveram estruturados em contedos tericos e prticos. Em condies normais, as disciplinas tericas, de carter humanstico, que fazem parte dos programas desses cursos Antropologia,

    Sociologia, Psicologia e suas derivaes: Antropologia, Sociologia e Psicologia da Comunicao so ministradas nos primeiros anos da formao6. De alguma forma,

    5 Alemanha, ustria, Blgica, Bulgria, Dinamarca, Espanha, Eslovquia, Eslovnia, Finlndia, Frana, Grcia,

    Hungria, Islndia, Irlanda, Itlia, Letnia, Litunia, Luxemburgo, Malta, Pases Baixos, Noruega, Polnia, Portugal, Reino Unido, Romnia, Repblica Checa, Sucia, Sua. Estes foram os 29 pases que assinaram, em 1999, o Protocolo de Bolonha. O acordo pretendia unificar o ensino superior europeu enfatizando a formao tcnica e estimulando a mobilidade entre os estudantes. Hoje, grande parte dos acadmicos portugueses avalia que, embora as intenes do projeto sejam positivas, as condies para sua implementao precisariam ser revistas para que de fato seus objetivos se concretizem. 6 Embora a questo seja irrelevante para as consideraes deste artigo, vale ressaltar que algumas escolas brasileiras e

    portuguesas adotam disciplinas anuais e outras tm oferta semestral.

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    esses contedos so retomados nas etapas seguintes, nos laboratrios ou atelis de jornalismo7, onde situam-se as disciplinas prticas, de carter tcnico. Nesse ponto pretende-se fazer uma fuso entre a teoria ministrada no comeo da formao e as especificidades da profisso ensinadas nas etapas finais dos cursos8.

    O objetivo de uma disciplina como Sociologia na porta de entrada do curso fornecer ao aluno condies para pensar criticamente a sociedade onde ele vai atuar,

    para a qual ele produzir notcias e sobre a qual influenciar a informao que ele divulgar. Da sua parte, o Laboratrio de Jornalismo On Line ou Ateli de Jornalimo Multimedia, na porta de sada do curso, tem como interesse estimular o aluno a entender e exercitar a produo da notcia e da reportagem no ambiente virtual.

    Seria possvel desvincular uma disciplina como Sociologia (seja ela pura, uma Sociologia da Comunicao ou, mais especificamente, uma Sociologia do Jornalismo) das prticas e da produo noticiosa e informativa levada a efeito num Laboratrio ou Ateli de Jornalismo? Normalmente isso que artificialmente fazemos com que

    acontea, e essa tentativa de fragmentar e dividir em parte para fazer compreender o todo herdamos da dissociao que aprendemos com a tradio disciplinar na Educao.

    Numa crtica a essa tradio, Basarab Nicolescu avalia que isso produz algumas repercusses indesejveis para o conhecimento:

    De maneira inevitvel, o campo de cada disciplina torna-se cada vez mais estreito, fazendo com que a comunicao entre elas fique cada vez mais difcil, at impossvel. Uma realidade multiesquizofrnica complexa parece substituir a realidade unidimensional simples do pensamento clssico. O indivduo, por sua vez, pulverizado para ser substitudo por um nmero cada vez maior de peas destacadas, estudadas pelas diferentes disciplinas. o preo que o indivduo tem de pagar por um conhecimento de certo tipo que ele mesmo instaura (1999, 12).

    Diante desse colapso disciplinar, unidimensional, fomos levados a pensar e

    falar, a partir de meados do sculo XX, em uma intervenincia das disciplinas. Desse momento em diante, essa fragmentao, a disciplinaridade, vem sendo posta a prova por conceitos como a pluri, a inter e a transdisciplinaridade. Guardadas as devidas propores, cada uma delas constitui uma forma especfica de compreender a realidade.

    7 Enquanto no Brasil as disciplinas de carater prtico so designadas por laboratrios, em Portugal, o uso corrente

    atelis. Neste artigo, adotaremos as duas terminologias nos referindo ao mesmo tipo de disciplina. 8 Esse , enfim, quase o momento final; o ponto de chegada do ensino do jornalismo. A seguir, apenas os trabalhos de

    concluso de curso, os TCCs.

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    Nas palavras de Nicolescu (1999: 17), so as quatro flechas de um nico e mesmo arco: o do Conhecimento.

    Em linhas gerias, a disciplinaridade fundamenta-se na busca do conhecimento a partir de uma nica disciplina. Ao analisar um portal de jornalismo luz da Teoria da Comunicao, por exemplo, possvel entend-lo como um media produzido por uma emissora A para um pblico receptor B.

    J a pluridisciplinaridade e a interdisciplinaridade articulam duas ou mais disciplinas no processo de busca do conhecimento. A pluridisciplinaridade busca compreender um objeto de uma mesma e nica disciplina subsidiada por diferentes disciplinas. Nicolescu (1999: 15) observa que, se por um lado, o estudo pluridisciplinar enriquece e aprofunda o conhecimento do objeto, por outro, sua finalidade continua inscrita na estrutura da pesquisa disciplinar.

    Alguns autores procuram fazer uma distino ainda entre a pluridisciplinaridade e a multidisciplinaridade. Para Fourez, Maingain e Dufour (2002: 63), a pluridisciplinaridade justape as disciplinas para entender o objeto com fins claramente estabelecidos entre os parceiros do processo, j a multidisciplinaridade no tem objetivos comuns fixados previamente.

    Voltando anlise do portal de jornalismo, ela poderia ser feita luz da Teoria da Comunicao e da Sociologia, por exemplo. No que respeita Comunicao, possvel entend-lo como um media produzido por uma emissora A para um pblico receptor B. No entanto, a Sociologia poderia levar a afirmar que essa emissora A reproduz a ideologia de uma classe economicamente dominante9. Est-se a em uma

    perspectiva multidisciplinar. Ela ser pluridisciplinar medida que se chegue, por exemplo, concluso que, pelo fato de o portal implicar uma determinada ideologia de A, A no age desinteressadamente em relao a B.

    A interdisciplinaridade e a trasndisciplinaridade so flechas mais complexas do

    Conhecimento. Para Nicolescu (1999: 15-16), a interdisciplinaridade diz respeito transferncia de mtodos de uma disciplina para outra. O autor distingue trs graus interdisciplinares. Num primeiro, o grau de aplicao, os mtodos de uma disciplina so transferidos ou aplicados a outra, auxiliando esta ltima nas suas ambies. Num grau epistemolgico, a transferncia entre disciplinas implica a re-siginficao de uma

    delas. Um terceiro o grau de gerao de novas disciplinas. Como a

    9 Aqui a Sociologia tem uma abordagem claramente marxista.

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    pluridisciplinaridade, a interdisciplinaridade ultrapassa as disciplinas, mas sua finalidade tambm permanece inscrita na pesquisa disciplinar. Pelo seu terceiro grau, a

    interdisciplinaridade chega a contribuir para o big-bang disciplinar10, pondera o autor (1999: 16).

    Retomando o portal de jornalismo, a pluridisciplinaridade leva a concluir que, pelo fato de o portal de comunicao projetar determinada ideologia de A, A no age desinteressadamente em relao a B. Um conhecimento interdisciplinar por grau de aplicao ajuda a entender, na Teoria da Comunicao, que os media atendem, portanto, a determinados interesses. A partir da seria possvel usar os mtodos das pesquisas sociolgicas para entender mais a fundo esse fenmeno.

    Num grau epistemolgico, essa mesma concluso poderia levar a entender a Teoria da Comunicao como uma rea extremamente ligada sociedade e, portanto, Sociologia. Por fim, num grau de gerao de novas disciplinas, seria possvel pensar em uma Sociologia da Comunicao.

    Os socilogos funcionalistas, que atuaram fortemente influenciados pelas Cincias Naturais, seguiram mais ou menos esse percurso e propuseram, no sculo XX, uma nova rea para a Sociologia: a Sociologia da Comunicao. Talcott Parsons, entendendo que a sociedade tendia manuteno do equilbrio da seu conceito social

    de homeostase aplicada sociedade foi um dos precursores desses estudos. Para ele, os media teriam uma funo homeosttica na manuteno do equilbrio da vida social.

    Mais desafiadora que a interdisciplinaridade, a transdisciplinaridade diz respeito quilo que est ao mesmo tempo entre as disciplinas, atravs das diferentes

    disciplinas e alm de qualquer disciplina. Seu objetivo a compreenso do mundo presente para o qual um dos imperativos a unidade do conhecimento (NICOLESCU, 1999: 16). O grande desafio aqui criar um mtodo que organize essas disciplinas em torno de um nico objeto.

    Se o portal de jornalismo poderia ser pensado dentro de uma Sociologia da Comunicao, fazendo ver que A no age desinteressadamente em relao a B, uma abordagem transdisciplinar assinalaria, entre a Comunicao e a Sociologia, aspectos subordinados aos interesses dos assalariados que fazem parte da estrutura A (os jornalistas, por exemplo) empenhados pelos salrios. Por sua vez, atravs da Comunicao e da Sociologia, o estudo poderia fazer ver que h aspectos ligados ao

    10 Para o autor, o big-bang disciplinar implica a fuso das disciplinas e tem conseqncias positivas para o

    conhecimento, contribuindo para a instaurao de uma viso de mundo mais rica e aprofundada.

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    comportamento de B que permitem a ao de A, chegando a uma Psicologia da Comunicao.

    Enfim, a anlise poderia caminhar alm da Comunicao, da Sociologia, da Sociologia da Comunicao e da Psicologia, mostrando que h aspectos filosficos e estticos da vida social, como a necessidade de comunicar para sentir-se vivo Nenhum homem uma ilha, como disse John Donne (1572-1631) que poderiam ser tratados nesse estudo11.

    Para Nicolescu, assim como para a maior parte dos autores que trabalha a questo da disciplinaridade, a transdisciplinaridade o grande objetivo a ser alcanado nas pesquisas, no ensino e na produo do conhecimento. No entanto, uma etapa

    complexa e que necessita de aprofundamento. Pensar as equipes educativas num contexto intedisciplinar parece uma ambio

    por hora coerente para o ensino do jornalismo. Ainda assim, vale ressaltar que autores como Nicolescu e Fourez, Maingain e Dufour chamam ateno para o fato de que no

    h uma discisplinaridade pura. Esse um engano do esprito humano que tradicionalmente separou e compartilhou para conhecer. Por outro lado, os autores chamam ateno para o fato de que as perspectivas pluri, inter ou transdisciplinar nem sempre foram entendidas e respeitadas como tais.

    Da teoria prtica teoria com prtica

    A ideia das equipes educativas articulando alunos de uma mesma turma ou de

    turmas distintas, tendo frente duplas ou grupos de professores de diferentes disciplinas no nova na Educao. Um dos primeiros conceitos nessa rea trazido por Arturo de La Orden.

    Para La Orden, essas equipes funcionam como:

    () o sistema de organizao escolar que afecta o pessoal docente e os alunos a seu cargo, no qual dois ou mais professores se responsabilizam conjuntamente pela planificao, execuo e avaliao da totalidade ou de uma parte significativa do programa de instruo de um grupo de alunos, equivalente ao de duas ou mais classes tradicionais (apud FORMOSINHO; MACHADO, 2008: 11-12).

    11 Na perspectiva transdisciplinar, trs das quatro clssicas formas de conhecimento emprico, teolgico, filosfico

    podem aglutinar-se quarta, o conhecimento cientfico (CERVO; BERVIAN: 2002).

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    Jorge vila de Lima (2002: 07) observa que nunca se defendeu e se falou tanto, nas escolas, em trabalhos em equipe. O autor chama ateno para o risco de a ideia

    tornar-se um chavo de aplicao vaga e simplista. O antdoto a essa possibilidade o estabelecimento de critrios que contextualizem e organizem trabalhos dessa natureza.

    Formosinho e Machado (2008) situam a emergncia dessas equipes no contexto de enfrentamento do quadro em que funcionam as escolas de massas. Para Formosinho

    (2009A), essas escolas atendem ao ensino bsico e secundrio e comeam a se constituir, em Portugal, nos anos 80 do sculo XX e so marcadas por trs caractersticas fundamentais. A primeira delas a heterogeneidade humana e contextual. Isso significa, no novo cenrio, uma diversidade de alunos e professores que acaba por

    implicar uma heterogeneidade de contextos sociais em que est situada cada escola. Nesse espao, a administrao escolar acaba caracterizando-se tambm por uma

    uniformidade curricular e pedaggica12. Formosinho (2009A) chama ateno para o fato que, se a escola de massas pretende-se geral, generaliza seu currculo e suas regras e

    modelos pedaggicos, ficando entre o que tradicionalmente havia sido implementado pelos liceus portugueses destinados s elites e pelas escolas tcnicas do pas destinadas a favorecer a mobilidade social das classes populares.

    Uma terceira caracterstica a complexidade organizacional. A burocracia de

    administrao dessa escola experimenta um grau de demanda quantitativa at ento no experimentado por nenhum dos modelos de escolas supracitadas.

    a partir dessas caractersticas que Formosinho e Machado (2008) estabelecem uma crtica pedagogia transmissiva e ao conceito da turma-classe comuns nas escolas

    de massas de ensino bsico e secundrio portugus. Nesse contexto, o professor atua como detentor do saber e controlador do espao, do currculo e do que devem ser as aulas e a formao. Essa atuao, muitas vezes lhe imposta por diretores ou politicas educacionais pblicas.

    Esse tipo de pedagogia e de turma terminam por manter o professor isolado em sua produo e comprometendo o crescimento do aluno. Para Formosinho e Machado, (2008: 09), a pedagogia transmissiva da escola de massas est centrada na lgica dos saberes, sustenta-se na lgica dos contedos, na erudio do professor e no treino da

    12 O texto Currculo Uniforme Pronto-a-vestir de Tamanho nico, escrito por Formosinho em meados dos anos 80,,

    reivindica a flexibilizao dos currculos, considerando importante o respeito diversidade humana e contextual em que se d a Educao.

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    criana e tem como palavra-chave a disciplina, requerendo a definio de instncias de orientao e de controlo.

    Uma soluo possvel assinalada pelos autores dar-se-ia no contexto das equipes educativas. Convencidos de que esse esquema propicia formas de colaborao entre os professores e a gesto integrada do currculo, eles estabelecem trs dimenses organizacionais (apud Formosinho: 1988) como possibilidade para a superao da pedagogia transmissiva pelo contexto dessas equipes.

    A primeira dimenso diz respeito relativizao do agrupamento dos alunos, sua disposio fsica na turma-classe. Formosinho e Machado defendem a criao de grupos flexveis, cuja composio e extenso s dever estar determinada em funo das actividades escolares a empreender, das caractersticas dos espaos disponveis e do tempos necessrio para a sua realizao. No entanto, eles tambm estabelecem alguns alertas:

    O agrupamento flexvel de alunos exige um planeamento mais cuidado do que o que exige a organizao por turmas, contempla actividades que podem requerer mais que um tipo de agrupamento (grande grupo, grupo mdio, grupo pequeno, trabalho independente), sendo que cada um deles serve para a consecuo de objectivos distintos, adequa-se melhor a certas actividades, pe em jogo poderes de aco muito concretos, desenvolve atitudes e habilidades especficas e exige procedimentos pedaggicos idneos, material didctico apropriado, espaos prprios e instalaes distintas. (2008: 12)

    O segundo aspecto diz respeito a uma efetiva integrao curricular. Os autores acreditam que a proposta do trabalho das equipes educativas aponta para uma organizao dos saberes que os integre em torno de problemas e de questes

    significativas identificadas de forma colaborativa por educadores e educandos. Formosinho e Machado chamam ateno para o fato que, quando isso acontece, ultrapassa as linhas de demarcao e fronteira entre as disciplinas.

    Estimula-se, assim, a participao activa de todos os membros da Equipa Educativa em todas as fases do processo de desenvolvimento curricular, desde a tomada de conscincia dos problemas com que se deparam, bem como das suas causas estruturais, at incrementao de aces conducentes resoluo dos mesmos (2008:08).

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    Constitudas em funo do trabalho que desenvolvido com os alunos, as equipes educativas, implicam a criao de uma categoria organizacional com peso e

    poder poltico equivalente ao dos grupos disciplinares. Para alm disso, as equipes so o estmulo para o estabelecimento de uma rede complexa de relaes colegiais, com as quais se potencializa a flexibilidade, a capacidade de correr riscos e o melhoramento contnuo entre os profissionais que interagem com os alunos, sem esquecer os ganhos

    no seu sucesso. Ao propor essa terceira dimenso, os autores ainda chamam ateno:

    Nesta frmula organizativa, no o gestor escolar mas so os profissionais quem decide pr em comum as suas especializaes profissionais, os seus interesses, o conhecimento e as habilidades pedaggicas, a experincia acumulada. Os profissionais disponibilizam-se e empenham-se em ordem a idear e praticar um esquema de trabalho apropriado s necessidades dos seus alunos, tendo em conta as instalaes da escola, os materiais disponveis, o plano de estudos prescrito e as finalidades da educao escolar (FORMOSINHO; MACHADO, 2008: 13).

    Formosinho e Machado esto convencidos de que esse esquema propicia formas de colaborao entre os professores e os alunos na gesto integrada do currculo e da prpria formao. Embora esse panorama tenha sido pensado para o ensino bsico e secundrio portugus, pode ter coerente aplicabilidade com as devidas adaptaes

    em determinados contextos de formao superior de jornalistas tanto no Brasil como em Portugal.

    Nesses dois pases, segundo Formosinho (2010), as universidades que formam os profissionais de jornalismo apresentam claras caractersticas das escolas de massas, especialmente no que tange heterogeneidade contextual e humana e complexidade organizacional.

    Formao do jornalista e interdisciplinaridade

    A flexibilizao dos agrupamentos dos alunos, a gesto integrada do currculo e o funcionamento das equipes educativas como categoria organizacional na escola so as bases para um projeto pedaggico interdisciplinar que pode enriquecer e redimensionar o ensino superior do jornalismo.

    Projetos desse tipo parecem estar de acordo com a natureza integradora, multi e interdisciplinar do Jornalismo, seja do ponto de vista cientfico ou do ponto de vista da

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    pragmtica da profisso. Alm disso, o desenvolvimento das tecnologias da comunicao e a constituio de um quadro global de relaes econmicas e humanas

    desafiam a formao do jornalista a aliar o conhecimento e o manuseio das habilidades tcnicas da profisso a uma formao humanstica cada vez mais crtica.

    Atendendo s configuraes da formao exigidas pelo novo contexto social, as equipes educativas seriam um dos caminhos da interdisciplinaridade, unindo a tica, a Tcnica e a Esttica da notcia correta e plena preocupada como o relato veraz, como observa Manuel Carlos Chaparro (1994). Considerando as potencialidades interdisciplinares dessa formao, o autor (2005) prope a adoo de estratgias que integrem as trs etapas de formao do jornalista em crescentes nveis de interao e complexidade.

    Na primeira delas, o momento da iniciao, Chaparro considera que os alunos ingressantes deveriam ter acesso a contedos bsicos de formao humanstica (2005). O autor destaca em meio a esse contedo, a importncia de disciplinas como Histria da

    Cultura e Cidadania, Histria do Jornalismo, tica e Deontologia, Economia, Cincia Poltica, Filosofia da Linguagem, Metodologia, Antropologia e Geografia nos seus aspectos poltico e humano.

    Chaparro chama ateno para o fato de que, paralelamente a isso, devem ser

    ministrados formatos iniciais de tcnicas jornalsticas: com carga horria menor, mas crescente, os alunos devem dispor de espaos de aprendizado experimental, em projetos vivos, para prticas de jornalismo real, sem simulaes (2005).

    A segunda etapa Chaparro caracteriza como momento de aprofundamento.

    Essa seria a fase mais alongada do curso, em que, no plano das ideias e da formao terica, o carter mais extensivo da iniciao daria lugar possibilidade de escolhas para o estudo aprofundado (por meio de disciplinas optativas, por exemplo) em jornalismo e em, no mximo, duas reas complementares de conhecimento, da preferncia do aluno.

    Simultaneamente, a experimentao tcnica cresceria em complexidade e carga horria, pedagogicamente inserida em espaos laboratoriais multidisciplinares, propcios s interaes entre teoria e prtica, espaos que, nesta fase, funcionariam como eixos do curso. (2005)

    No momento da maturao, Chaparro avalia que dar-se-ia um atendimento pedaggico individualizado, preenchido com atividades orientadas de leituras, pesquisa

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    e experimentao, para a produo do trabalho final de avaliao (2005). Ele considera que essa etapa teria durao de seis meses a um ano e implicaria estudos direcionados

    em torno de um projeto ou de uma monografia. Neste momento, o aluno se defrontaria com seus limites e suas potencialidades para demonstrar, de forma consolidada, os conhecimentos adquiridos e as aptides desenvolvidas ao longo do curso.

    Interessa aqui, sobremaneira, a fase formativa carcaterizada por Chaparro como

    momento de aprofundamento. Essa , para o autor, a fase mais interdisciplinar e certamente a mais rica da formao humanstica, tanto pela possibilidade do aprofundamento entre as teorias e as prticas como por conta da possibilidade de uma maior convivncia entre grupos de professores e alunos e destes com seus pares.

    No fundo, baseadas na complexidade crescente do conhecimento, como assinalam autores como Basarab Nicolescu e Edgar Morin13, as teorias que tratam do pensamento que vai alm da perspectiva disciplinar parecem indicar que todas as etapas formativas devam articular projetos pedaggicos que integrem as disciplinas. No entanto, a burocracia escolar um foco de resistncia. Se isso verdade no ensino bsico e secundrio, tambm fato no ensino superior. Em parte, isso acontece por conta da nossa tradio eminentemente disciplinar. Dessa questo decorrem vrios outros fatores no contexto da formao universitria.

    Por um lado, o professor professor de um determinado segmento do jornalismo. Normalmente ele concursado ou contratado para assumir uma, duas ou trs disciplinas diferentes mas de um segmento especfico14. Esse professor, alis, j vem de uma tradio disciplinar do sculo XX que, no af de focar sua atuao, o cinge

    a um contexto disciplinar. A crtica a esse quadro, sublinhe-se, no est no fato de ele no ser um generalista. Isso bom porque gera mais foco e consistncia para o contedo das suas aulas. A questo colocada que, embora devendo ser um especialista numa determinada rea, a ele devam ser dadas as condies pedaggicas para ensinar

    efetivamente interdisciplinarizando sua atuao e os contedos. Da sua parte, o aluno que chega faculdade e conserva a mesma perspectiva

    disciplinar aprendida na escola de massas do ensino bsico e secundrio. Ali matricula-

    13 O filsofo de origem francesa Edgar Morin considerado, por excelncia, o terico da complexidade. O texto Os

    Saberes Necessrios para a Educao do Futuro constitui uma importante obra sobre essa questo no pensamento do autor. 14

    Nos cursos de Jornalismo, por exemplo, o professor concursado ou contratado para uma rea especfica da habilitao. Por exemplo: Fotografia. A ele podero ser atribudas disciplinas como Fotografia, Fotojornalismo ou Comunicao Visual, mas dificilmente disciplinas como Teoria do Jornalismo ou Jornalismo Multimedia estaro a seu encargo.

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    se, mas o seu curso est fragmentado tambm em disciplinas que requerem dele ateno especfica, em dias e horrios especficos, preferencialmente numa posio especfica

    em sala de aula: de frente para o professor que dever transmitir-lhe conhecimento. Numa mesma etapa formativa, o aluno conduzido numa teoria, como

    Sociologia da Comunicao, por exemplo, e na maior parte dos casos confrontado com matrias jornalsticas prontas, veiculadas pelos media. Paralelamente, nessa mesma etapa, o aluno elabora reportagens para os laboratrios de rdio, TV, mdia impressa ou on line e raramente levado a articular essa sua produo prtica ao que est estudando na teoria.

    Na perspectiva das equipes educativas interdisciplinares, coordenada por um par

    ou por um conjunto de professores de Sociologia da Comunicao e de Jornalismo On Line ou Jornalismo Multimedia, por exemplo, as possibilidades seriam outras. No cenrio interativo e interdisciplinar do momento de amadurecimento, o ensino da Sociologia da Comunicao (ou suas congneres da formao humanstica) dar-se-ia, efetivamente, paralelamente aos laboratrios ou atelis.

    As discusses a respeito das teorias sociolgicas no apareceriam vinculadas apenas anlise de produtos jornalsticos produzidos pela grande imprensa. Enquanto os estudantes discutem as teorias sociolgicas, so levados a produzir e a analisar a sua

    prpria prtica de jornalismo como parte integrante dessa teorizao. Nesse caminho interdisciplinar, possvel estabelecer graus de aplicao de mtodos, tcnicas de ensino e avaliao entre diferentes disciplinas, intercruzando objetivos e aproveitamento de contedos tericos e prticos.

    Um projeto de equipes educativas interdisciplinares no ensino do jornalismo

    O trabalho de equipes educativas pode comear com o esboo de um projeto de atuao interdisciplinar por parte dos professores das disciplinas envolvidas. Talvez seja ambicioso demais envolver toda a escola, todos os docentes e alunos, logo no incio. Sugere-se que se comece com dois ou trs professores de uma mesma turma. Uma primeira etapa na elaborao do projeto, e que poder dar-lhe viabilidade e vigor, a construo de um diagnstico educacional envolvendo os aspectos humano e

    institucional da escola. No diagnstico humano, os professores proponentes devem ter claras as

    possibilidades dialgicas entre as suas disciplinas, bem como as habilidades que lhes

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    so requeridas para esse tipo de trabalho. Por sua vez, os estudantes da turma devem ser avaliados em relao a sua adaptabilidade ao projeto. Fatores como o nmero de alunos e traos do seu perfil, como o acesso e experincias digitais (em caso de se trabalhar com tecnologias, por exemplo), devem ser considerados.

    O diagnostico institucional leva em conta os equipamentos, as instalaes e elementos como a filosofia pedaggica da escola, os veculos laboratoriais que produz,

    inclusive em outros cursos, departamentos e centros, como os jornais da associao dos estudantes.

    Realizados esses dois aspectos do diagnstico, a etapa seguinte a elaborao interativa entre professores, alunos e, evidentemente, a administrao da escola

    tambm estar envolvida do projeto de atuao interdisciplinar da equipe educativa. O planejamento de uma aula e de uma avaliao interdisciplinar a partir de contedos delimitados previamente por professores e alunos pode ser um teste da viabilidade do projeto. Para isso, eleger e adaptar o tema da aula e seu contedo um primeiro passo.

    Aos professores cabe avanar e pensar sobre os critrios metodolgicos (recursos didticos, bibliografia etc.) da aula bem como fixar para si e deixar claro para os estudantes a justificativa, os objetivos, a metodologia do desenvolvimento do projeto integrado e os critrios de avaliao de apreenso do contedo.

    Elaborado o projeto de ao interdisciplinar da equipe educativa, esto criadas as condies iniciais para interpretar e redimensionar, no contexto da formao dos jornalistas, as trs categorias organizacionais da proposta apresentada por Formosinho e Machado (2008): relativizao do agrupamento de alunos, integrao curricular efetiva e criao de categoria organizacional.

    No atual estgio de desenvolvimento tecnolgico, parece instigante e desafiador pensar as equipas educativas no ensino do jornalismo em disciplinas laboratoriais ou atelis de Jornalismo On Line e de Jornalismo Multimedia. evidente que, numa perspectiva interdisciplinar, esses laboratrios trazem colaboraes de outros laboratrios ou atelis, como os de Jornalismo Impresso, Rdio e Radiojornalismo, Televiso e Telejornalismo e Fotografia e Fotojornalismo. Para alm disso, trazem e oportunizam discusses de disciplinas como Sociologia da Comunicao e suas congneres do mbito humanstico.

    Quando um professor de uma disciplina prtica de jornalismo avalia uma pauta ou uma reportagem sobre a cobertura miditica das eleies presidencias, por exemplo, luz do Jornalismo, obviamente que faz um percurso multidisciplinar auxiliando-se da

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    Sociologia da Comunicao. Do mesmo modo, um professor de disciplinas humansticas do momento de iniciao ou do momento de aprofundamento analisa o

    mesmo tema luz do conhecimento sociolgico e, obviamente, aborda a questo numa perspectiva da mdia e do jornalismo. At a est-se em uma abordagem multidisciplinar, e ela hoje corriqueira nas escolas, inclusive na formao de jornalistas.

    Por sua vez, o que a abordagem interdisciplinar permite avanar em relao a essa multidisciplinaridade. A comear pelo gerenciamento integrado da formao entre professores e alunos. Parece que essa integrao, que tem incio nas discusses para a elaborao do projeto de ao das equipes educativas, permite uma flexibilizao do agrupamento de alunos nas salas de aula. Tanto aluno como professor, flexibilizados em suas posies fsicas na sala de aula e em relao gesto do conhecimento, renovam-se.

    Quando um grupo de professores de disciplinas tericas e prticas de jornalismo, como Sociologia da Comunicao e Laboratrio em Jornalismo Multimedia, avaliam junto com a turma (hipoteticamente cursando as duas disciplinas num mesmo semestre ou ano) uma pauta ou uma reportagem sobre a cobertura miditica das eleies presidenciais luz da Sociologia da Comunicao e do Jornalismo, obviamente que a

    anlise sai consistente e aprofundada. Por sua vez, quando esse mesmo grupo de professores e alunos auto-avaliam

    pautas, reportagens ou produtos laboratoriais que produziram seja no nvel do ensino e orientao, do professor, ou da execuo das tarefas, no nvel do aluno obviamente

    que a anlise sai ainda mais consistente, rica e aprofundada. Nesse momento o professor sai do espao sacrossanto assegurado pela pedagogia transmissiva, onde colocava-se como um transmissor de verdades a partir da sua viso disciplinar, e assume o papel de um professor-dialgico, que relativiza seu conhecimento a partir do ponto de vista do

    outro campo disciplinar. Por sua vez, o aluno abandona seu papel passivo na turma-classe e flexibiliza

    seu lugar e sua atuao fsica e / ou mental diante do conhecimento. Este deixa de ser algo dado, copiado de uma tbula rasa, para ser construdo a partir da relativizao das anlises disciplinares apresentadas nas discusses em grupo.

    Na experincia em equipes educativas, ambas as instncias, professor e aluno, saem enriquecidos. Em vez da dogmatizao, deu-se algo mais prximo do que deve ser

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    a aprendizagem e o encontro educador-educando e educando-educador de que fala Paulo Freire (2002).

    Ademais, ao trabalhar interdisciplinarmente nessa perspectiva, esses dois sujeitos estabelecem uma especial relao, antes de todas, a Educao. Estabelecem-se a caminhos para uma integrao curricular efetiva e para a criao de categoria organizacional consistente na escola. Nessa direo, o professor passa a ser um

    investigador da Educao que investiga a sua prpria ao docente. isso, acima de tudo, que o define como professor. Do lado do aluno, este ser levado a entender com maior consistncia a sua prpria formao e, consequentemente, sua futura profisso.

    Praticar o ensino-aprendizagem dos contedos dos atelis e laboratrios de

    jornalismo numa perspectiva interdisciplinar no algo muito distante do que vem sendo feito nas escolas que formam jornalistas no Brasil ou em Portugal. No entanto, fazer isso de forma organizada e colaborativa, em equipes educativas, pode implicar avanos que levem a metodologias mais enficazes no ensino do Jornalismo em muitas

    dessas instituies. Como lembra vila:

    () a questo central no , pois, a de saber o que que falta aos professores para que colaborem mais, mas sim o que pode ser feito para que eles o faam, quando o desejarem, de uma maneira que seja profissionalmente mais gratificante e positivamente mais consequente para os alunos. (2002: 184)

    Uma pedagogia interdisciplinar interativa e colaborativa requer antes de qualquer coisa uma inquietao, uma mentalidade que a provoque. Essa mentalidade requer, sobretudo, ousadia e profissionalismo e parte dela deve ser assumida pelas

    escolas e pelas polticas pblicas educacionais. O que define o educando e aqui ele tanto o professor como o aluno a sua

    capacidade de inquietar-se em relao a sua prpria prtica e de procurar conhecer e questionar o contexto social e humano da sua atuao profissional e da sua vida. Essa

    capacidade de inquietar-se , paradoxalmente, um bom alicerce para a integrao dos currculos bem como para o fortalecimento das equipes educativas como categoria organizacional no gerenciamento da educao de que esses mesmos professores e alunos so os protagonistas.

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    Para alm de ouvir o outro lado

    No ensino do jornalismo, perspectiva interdisciplinar avana no apenas do controle da matria por parte do professor para a participao do aluno no processo formativo. As equipes educativas, ao abrirem uma possibilidade contextualizada e organizada portanto, consequente e fomentadora de uma metodologia de participao

    dos sujeitos do processo ensino-aprendizagem agrega qualidade dessa formao as prprias contradies inerentes imprensa. Referindo-se ao caso brasileiro, Chaparro descreve um cenrio coerente para pensar o jornalismo contemporneo no mundo todo:

    O escamoteio ou a distoro de informaes; as pautas motivadas por interesses particulares no revelados; a irresponsabilidade com que se difundem novas informaes ao pblico; a acomodao dos reprteres a um jornalismo de relatos superficiais; os textos confusos e imprecisos; a facilidade com que a imprensa acolhe, sem apurar, denncias que favorecem ou prejudicam algum; a freqente prevalncia do marketing sobre as razes jornalsticas; o desprezo pelo direito de resposta; a arrogncia com que se protege o erro e se faz a apropriao social do direito informao (direito do leitor) so claros sintomas de um desequilbrio de identidade do jornalismo, enquanto funo social. (1994: 108)

    O trabalho co-responsvel, co-responsabilizado, de professores e alunos, integrados em equipes educativas, pode ser um importante aliado contra esse desequilbrio. A velha lio ensinada nas aulas de reportagem jornalstica sobre ouvir o outro lado, ou seja, apurar com propriedade a informao, parece finalmente integra-se aula quando o outro lado o docente tambm ouvido e respeitado no processo formativo.

    Alm disso, tambm importante pensar no apenas o tipo de formao que se est construindo, mas tambm o tipo de jornalismo que se est contemplando nessa formao. Ao pensar caminhos para qualificar a formao de jornalistas portugueses cujas consideraes podem ser vlidas tambm para a formao de jornalistas brasileiros Sandra Marinho observa:

    () s poderemos colocar-nos a questo de saber qual ser a melhor maneira de formar jornalistas para o exerccio das suas funes se estas estiverem previamente definidas, por relao a um conceito de jornalismo. Nesta matria, opem-se frequentemente duas perspectivas sobre o papel do jornalismo e dos jornalistas: uma que v o jornalismo como um servio pblico e outra que o associa a um

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    modelo comercial. Por si s, e em termos absolutos, parece-nos um entendimento muito redutor, ao colocar em plos opostos conceitos e entendimentos que, a nosso ver, no se excluem mutuamente. Nesta matria, arriscamos dizer que o modelo de servio pblico aquele que tem sido teorizado e tomado por referncia quando se equaciona o papel do jornalismo e dos jornalistas, enquanto que o modelo de mercado , de facto, aquele que exercido, sem que isto se traduza em reflexo sobre os fundamentos da prtica de um jornalismo voltado para o mercado. (2006: 03-04)

    Ao possibilitar a interao de contedos entre alunos e professores de jornalismo, o trabalho das equipas educativas permite a relativizao do agrupamento de alunos, uma integrao curricular efetiva e a criao de uma categoria

    organizacional. Mas mais que isso, no caso da fomao de jornalistas, esse tipo de trabalho plasma a formao com a prpria atividade profissional.

    Ao relativizar, do ponto de vista do espao e da responsabilidade, o papel do aluno na educao em sala de aula, o trablaho nas equipes permite-lhe relativizar tambm a relao reprter-pblico. Os dois passam a ser pensados na sua prtica

    profissional como igualmente sujeitos responsveis na construo da informao. Por sua vez, as equipes educativas, ao possibilitar uma maior integrao do

    estudante com o seu currculo, o integra ainda mais com a sua prpria formao e atuao profissional. Formar-se passa a ser visto no apenas como algo que tem fim na

    faculdade e nem em cursos de ps-graduao. Formar-se passa a ser visto como um aprender permanente no batente, na tarimba, no cotidiano do jornalismo, que sempre o estar formando.

    Alm disso, ao perceber sua atuao como constitutiva de uma categoria

    organizacional forte no corpo da escola, o aluno estabelece uma maior sintonia com o sentido poltico e emancipador no s da Educao, mas especialmente do jornalismo para o qual ele se educa, em que ele se forma. Pensar a prpria formao e o jornalismo nessa perspectiva parece um caminho para a constituio de profissionais e prticas

    jornalsticas mais emancipadas, mais autnomas e, portanto, cidads. Ao abordar uma perspectiva interdisciplinar para o ensino do jornalismo

    estamos, certamente, tentado entend-lo tambm a poucos passos de uma educao transdisciplinar. E aqui comeamos a pensar que ao jornalista no cabe apenas ouvir o outro lado, mas ir alm disso, porque podem ser lados muitos, plurais e desafiadores.

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    Embora essa idia no seja nova no meio acadmico, ela precisa ser tratada e estudada com o devido rigor. Maria Aparecida Baccega chama ateno para essa questo quando

    fala das aproximaes entre a Comunicao e a Educao:

    O campo da comunicao / educao multi e transdisciplinar: Economia, Poltica, Esttica, Histria, Linguagens, entre outros saberes, o compem. Cada um deles dialoga com os outros, elaborando, desse modo, um aparato conceitual que coloca os meios no centro das investigaes e procura dar conta da complexidade do campo. So as pesquisas que resultam desse dilogo entre os saberes que nos permitem apontar os meios de comunicao como os maiores produtores de significados compartilhados que jamais se viu na sociedade humana, reconhecendo-se, desse modo, sua incidncia sobre a realidade social e cultural. (1999)

    Porm, mais do que pensar a esse respeito, alguns estudos do conta da

    possibilidade transdisciplinar dos trabalhos em equipes educativas. Isac Nikos Iribarry (2003: 488) toca nessa questo chamando ateno para o fato de que a transdisciplinaridade deve ser encarada como meta a ser alcanada e nunca como algo pronto, como um modelo aplicvel.

    Enfim, talvez o incio do caminho para lidarmos com a diversidade disciplinar das Cincias da Comunicao e do Jornalismo seja exatamente pensar e repensar a formao que dada aos profissionais do ensino superior, a Educao e os desafios e necessidades que ela nos coloca para j. Esse debate no s de professores ou educadores, tambm de alunos, jornalistas e da sociedade a quem serve o jornalismo.

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    PULITIZER, Joseph. The College of Journalism. The North America Review Company Publishing. No. DLXX. Columbia: maio de 1904. Disponvel em: http://www.jstor.org/pss/25119561.

    UNIO EUROPIA. Declarao de Bolonha. Santa Maria (RS): Unifra (Centro Universitrio Franciscano): Prograd (Pr-Reitoria de Graduao), 1999. Disponvel em: http://www.unifra.br/Utilitarios/arquivos/arquivos_prograd/Tratado%20de%20bolonha.pdf.

    WOLF, Mauro. Teorias da Comunicao. Lisboa: Editorial Presena, 1994.

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    Tudo ao mesmo tempo agora:

    O ensino de jornalismo em cenrio permanente de mudanas

    Mrcia Marques

    Esta uma proposta de reflexo sobre o ensino de jornalismo online, exercitado no laboratrio da Faculdade de Comunicao da Universidade de Braslia. Esta

    experimentao se d em um contexto de mudanas estruturais deste campo de conhecimento, em que as tecnologias do suporte sociedade em rede, cuja dinmica altera as relaes clssicas de emissor, receptor, meio e mensagem. Especificamente, a apresentao estruturada de uma proposta didtica e pedaggica para formao de

    jovens profissionais de comunicao habilitados para o exerccio do jornalismo. Ao mesmo tempo em que reproduz a prtica de mercado, os que se encontram no laboratrio alunos e professores experimentam novas possibilidades e buscam referncias nas teorias que envolvem o fazer jornal. A proposta leva em conta o que afirma Adghirni15 sobre a constante evoluo do paradigma jornalstico, mas que conserva uma certa coerncia interna que o torna reconhecvel atravs do discurso e das prticas profissionais. Considero que o ensino em laboratrio deve inserir no contedo programtico as discusses que envolvem os processos de mudana por que

    passa a profisso em vrios nveis: dos papeis desempenhados nas redaes, das inseguranas do estatuto profissional, e da desregulamentao temporal no jornalismo digital16. Esta reflexo se faz principalmente a partir do exerccio prtico de ensino na

    Faculdade de Comunicao da Universidade de Braslia, na disciplina Campus I, responsvel pela publicao do jornal eletrnico Campus Online (www.fac.unb.br/campusonline), produzido por jovens de 19 anos, em mdia, no quinto semestre de uma srie de oito semestres que compem o curso de Jornalismo. Por tratar

    de produo, um ensino com vis funcionalista, que busca ir alm da repetio mecnica e tecnicista de rotinas e da cpia de modelos de prtica como sinnimo de formao, e que se resumiria formatao limitada pela reproduo.

    15 Aula da professora Zlia Adghirni no Programa de Ps-Graduao da FAC, na linha de pesquisa Jornalismo e

    Sociedade, em anlise das mudanas estruturais do jornalismo. Em 12 de junho de 2010. 16

    idem

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    No artigo Jornalismo e Epistemologia da Complexidade, produzido originalmente em 1991, a professora Cremilda Medina destaca o aspecto cultural da produo jornalstica e o papel do jornalista nesta rede transdisciplinar de relacionamentos para fazer um jornal:

    Ora, o signo jornalstico acontece tanto quanto o literrio e, portanto, o clssico esquema do emissor, mensagem, receptor no reflete a dinmica do processo. A plenitude deste acontecer cultural envolve um conjunto de inter-relaes sujeitos-fonte, sujeitos-produtores de mensagens e sujeitos receptores... Cabe investir, na formao do jornalista nesta sintonia, nesta capacidade relacionadora. (MEDINA: 2006, 5)

    Alm desta capacidade relacionadora, de que fala Medina, devem-se incluir outros aspectos que envolvem o fazer jornalstico do Sculo 21 com a interatividade na internet de alta velocidade. Este fazer demanda preparo dos jovens que se tornaro profissionais para atuar na sociedade do conhecimento e da informao. Talvez esta

    necessidade de preparo no apenas tcnico seja ainda maior do que no perodo de obrigatoriedade do diploma para exerccio da profisso no Brasil resultado de uma deciso do Supremo Tribunal Federal que considerou extinta a lei de 1979 que regulamentava o assunto. Orientar o aprendizado no laboratrio demanda tambm

    formao continuada dos professores, uma vez que todo o processo pode ser visto como trabalho de pesquisa em jornalismo. O meio digital proporciona a possibilidade de integrao com caracterstica multimiditica, isto atinge os jornais e se reflete tambm na redao laboratrio. Creio que h necessidade pedaggica de promovermos a convergncia de disciplinas ligadas prtica jornalstica e tambm de estreitarmos relaes com alunos e professores de disciplinas de fora do campo da Comunicao. Desde que assumi a disciplina Campus 1, em 2006, tenho buscado aproximaes interdisciplinares e relaes transdisciplinares, to necessrias ao fazer jornalstico e to adequadas modernidade.

    Educao, ensino, aprendizado: formar cidados autnomos, crticos e criativos

    Esta experincia em laboratrio assenta-se nos conceitos de educao vista como

    ato conjunto de conduo e criao, e de ensino, que sinaliza para uma apreenso do aluno a partir da prtica.

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    A educao vista como ato de criar, a partir do verbo latino educare, que tem relao com ducere (conduzir) e educere (tirar para fora, criar). Como diz Nrici, cada indivduo nasce com um potencial prprio de possibilidades biopsicossociais, e ao processo educativo cabe explicit-las e aproveit-las da melhor forma para o convvio social, a fim de que contribua com o melhor que possa. Ensinar (do latim insignare sinalizar, assinalar) e aprender (de apprehendere, perceber, captar) so as duas faces desse processo, que prescreve o acompanhamento do aluno em atividade. (JORGE; MARQUES: 2008, 123)

    A orientao de exercitar a autonomia pela produo de conhecimento, e, no caso do jornal laboratrio, pela construo de sentido, comeou pela leitura, em 2000, do livro Pedagogia da Autonomia, de Paulo Freire, que serviu de roteiro para uma experincia pedaggica na Faculdade de Comunicao, coordenada pelo professor

    Clodo Ferreira. Mais que os conceitos de Freire, as questes propostas pelo educador naquela publicao guiaram a reflexo sobre as relaes em sala de aula, com o aluno, com outros professores, no processo de ensino aprendizagem. Esta experincia, inicialmente de professores, depois de alunos, levou mudana de nosso currculo, que

    saiu do modelo tradicional de grade curricular para uma proposta de aprendizado de imerso. A pedagogia de Freire acabou por se refletir no laboratrio Campus, que poca produzia apenas o jornal impresso e dava os primeiros passos com a criao de uma editoria que produzia o Campus Online.

    De Freire vm os conceitos de rigorosidade e amorosidade na relao com o aluno. Dele, tambm, a noo de educao libertadora, conceito explicitado no livro-dilogo Medo e Ousadia, produzido em parceria com o educador norte-americano Ira Schor:

    O educador libertador tem que estar atento para o fato de que a transformao no s uma questo de mtodos e tcnicas. Se a educao libertadora fosse somente uma questo de mtodos, ento o problema seria mudar algumas metodologias tradicionais, por outras mais modernas. Mas no esse o problema. A questo o estabelecimento de uma relao diferente com o conhecimento e com a sociedade. (SCHOR; FREIRE: 1986, 48)

    O roteiro terico-prtico-metodolgico de estudar pela pesquisa a base didtica desta proposta, que envolve a formao do sujeito crtico e criativo, em um ambiente de sujeitos, e no em um espao que transforma pessoas, em sua maioria jovens, em

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    objeto, de ensino. Somente um ambiente de sujeitos gesta sujeitos, resume Demo (2005), que, na minha opinio, explicita como fazer o que Freire prope. No levo em conta se o autor, professor aposentado da Universidade de Braslia (e de quem fui aluna de Mestrado) concorda com esta inferncia. Mas este conceito d sustentao ao pressuposto de trabalho em que todos em sala professores, alunos, servidores tornam-se parceiros de produo, sujeitos participativos, em uma redao-laboratrio chamada Campus. Todo projeto pedaggico, principalmente em laboratrio, envolve valores como os do trabalho em equipe e do papel do professor em sala de aula. Ao considerar a poltica da aprendizagem, Demo (2005) destaca as premissas essenciais para o sucesso da atividade acadmica: a) a aprendizagem supe processo reconstrutivo individual e coletivo dos alunos; b) o papel do professor de orientador maiutico; c) a educao processo essencialmente formativo, no qual o aluno ponto de partida e de chegada; d) o ambiente interdisciplinar, onde o signo fundamental intervir para mudar; e) a aprendizagem reconstruo permanente; f) formao das habilidades humanas, no s da competitividade, como do compromisso com a cidadania; g) os meios eletrnicos so particularmente decisivos no campo da informao disponvel. Demo tambm destaca que a escola precisa oferecer ao aluno as melhores

    condies para a aprendizagem, no s por um melhor desempenho escolar, mas pela experimentao prtica que permita a realizao como indivduo, capaz de aprender sempre, e de se reinventar:

    O profissional, portanto, no aquele que apenas executa sua profisso, mas sobretudo quem sabe pensar e refazer sua profisso. Est includa a especializao operativa, mas sobretudo o que chamamos de formao bsica. Esta depende mais que tudo da propedutica, resumida no questionamento reconstrutivo. Ao lado disso, alimenta-se tambm da multidisciplinaridade, que no passa da aplicao mais coerente do aprender a aprender: a especialidade isolada desaprende, no s porque reduz a realidade ao que dela imagina saber, mas igualmente porque, ao no comunicar-se, perde a noo do conhecimento como desafio e obra comum. (DEMO: 2005, 68).

    O avano das tecnologias de produo e difuso da informao ampliou a necessidade de relacionamentos transdisciplinares em sala de aula. O jornalismo online depende de muitas outras disciplinas de diferentes campos do conhecimento para poder atingir o objetivo de gerar, junto com o pblico, as informaes de que este

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    mesmo pblico necessita. A prtica em laboratrio de produo de um jornal dirio que tem a web como veculo de apresentao se insere em uma nova realidade em que

    qualquer pessoa com acesso rede pode produzir informao; em que a relao com o leitor passou a ser mais estreita e, neste momento de transio, conturbada.

    Assim impossvel ver o jornalismo online como algo estanque ou separado das outras reas de conhecimento. Tambm no est nem acima e nem abaixo delas. Qualquer rea de conhecimento depende dos contedos informativos produzidos pela atividade jornalstica, da mesma forma que fazer o exerccio do jornalismo online no faz o menor sentido sem a integrao com outras disciplinas.17

    No incio de 2010, o curso Jornalismo 2.0 para Professores, oferecido pelo Instituto Knight de Jornalismo para as Amricas (da Universidade do Texas), no documento inicial, levantou algumas questes para reflexo sobre a transdiciplinaridade

    que envolve o fazer jornalismo no sculo 21: a investigao jornalstica em bancos de dados requer o apoio da Estatstica, da Matemtica e das cincias da computao; a formao de redes exige conhecimentos de Sociologia, Antropologia, Psicologia e at de Pedagogia; a administrao de comentrios fica muito difcil sem o apoio da

    Psicologia e das tcnicas de relacionamento interpessoal; a produo de um blog informativo depende de um mnimo de conhecimentos sobre informtica; a produo de contedos multimdia simplesmente seria invivel sem o apoio de disciplinas como design, produo sonora, vdeos, computao etc.

    Nos anos 1990, o surgimento da internet trouxe uma pergunta crucial: o jornalismo vai acabar? O que esta primeira dcada dos anos 2000 indicou foi um processo acelerado de transformao, principalmente por causa do desenvolvimento das tecnologias capazes de produzir equipamentos cada vez mais velozes, menores e com

    grande capacidade de armazenamento na mquina ou em arquivos pessoais virtuais.

    H hoje em dia publicao em papel e online, televiso analgica e digital, e embora blogs tenham multiplicado as possibilidades de ter uma coluna de opinio, o jornal continua a ser uma profisso presente nas nossas sociedades e a maior parte da informao noticiosa que hoje usufrumos continua a vir das redaes jornalsticas. (CARDOSO: 2007, 188)

    17 Texto do material de base do curso Jornalismo 2.0 para Professores do Instituto Knight Center Jornalismo para as

    Amricas, abril 2010.

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    Jornalismos de jornalistas cansados

    A experincia em laboratrio deve trazer ao aluno a possibilidade de conhecer o terreno fluido e movedio em que se encontra o fazer jornalstico. Esta noo de terreno flou cunhada por Ruellan em 1993 de fronteiras mal definidas do exerccio da profisso jornalstica, traz a ideia de que as novas prticas emergem de maneira dispersa, isto , no esto ligadas a uma fonte nica (Adghirni e Ruellan: 2009). E o que esta noo de terreno de diviso no muito ntida apresenta como questionamento se possvel identificar estas prticas como jornalsticas, independente das normas historicamente construdas.

    Mais do que o exerccio de uma profisso, a imagem do jornalista foi historicamente construda calcada sobre os ideais nobres da democracia, da justia e da liberdade. Mas a realidade do sculo 21 outra. Nem heri, nem vilo, os jornalistas, como os guerrilheiros, esto cansados. (ADGHIRDI, IN: MARQUES DE MELO; ASSIS: 2010, 248)

    Para dar conta da complexidade da experimentao em jornalismo, um referencial terico importante vem da sociologia do jornalismo. Brin, Charron e Bonville, pesquisadores canadenses, caracterizam quatro perodos na histria do jornalismo norte-americano, cada um deles marcado por um modo especfico e singular de conceber e de praticar o jornalismo: jornalismo de transmisso, praticado no Sculo 17, com difuso de correspondncias, anncios e outros conhecimentos, em que o impressor age como elo entre fontes e leitores; jornalismo de opinio, do Sculo 19, reflexo das transformaes das instituies da sociedade, em que o gazeteiro / editor pe o jornal a servio das lutas polticas; o jornalismo de informao, que surge no final do sculo 19 e se consolida no sculo 20, quando as mudanas das condies tcnicas e econmicas ampliam as possibilidades de coleta e de difuso da notcia; e o jornalismo de comunicao, em que a informao circula a uma velocidade e com um consumo tal que os acontecimentos podem ser relatados ao vivo e na sua continuidade, ao passo e medida de seu desenrolar.

    O jornalismo de comunicao, defendem os autores, contemporneo das tcnicas de transmisso eletrnica e, eventualmente, numricas, das mensagens escritas ou audiovisuais. As mdias de informao eletrnicas como rdio, TV e internet

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    asseguram a transmisso da informao quase sem embargo e, eventualmente, sob encomenda.

    O presente o tempo do jornalismo de comunicao: presente ao vivo, da informao contnua, do comentrio sobre o acontecimento recente ou em curso. De qualquer forma, o passado e o futuro no esto totalmente ausentes pois, no discurso jornalstico podem vir a ser uma fonte de referncias para o presente, um arsenal de metforas e alvo de conotaes diversas18. (BRIN; CHARRON; BONVILLE: 2007)

    No que diz respeito prtica jornalstica, Adghirni lembra que o processo informativo compe-se de diversas fases que variam segundo a organizao do trabalho de cada redao e de cada meio de comunicao (IN: MOUILLAUD; PORTO: 1997, 451). No laboratrio, a questo da organizao parte do ensino, da prtica da experimentao e inserida no quadro de mudanas estruturais do jornalismo. H uma srie de tcnicas a serem aprendidas no laboratrio e o jovem aspirante a jornalista deve ter a possibilidade de compreender que no processo de fabricao da informao jornalstica, as rotinas so procedimentos que asseguram, sob a presso do tempo, um fluxo constante e seguro de notcias e a rpida transformao do

    acontecimento em notcia. So, ainda, aes que tm vida e legitimidade prprias e muitas vezes transformam-se em procedimentos burocrticos. So diferentes de uma organizao para outra, mas mostram que a maior parte do trabalho jornalstico depende de procedimentos rotineiros.

    A notcia uma categoria situada historicamente, mais do que uma produo atemporal das sociedades humanas. (...) Uma matria uma narrativa do mundo real, assim como o boato uma outra espcie de narrativa do mundo real e um romance histrico tambm. No so realidade em si mesmos (...), mas uma transcrio, e qualquer transcrio uma transformao, uma simplificao, e uma reduo. O jornal, como portador de notcias, participa na construo dos mundos mentais nos quais ns vivemos, mais do que na reproduo do real world. (SCHUDSON: 1989, 38)

    A viso funcionalista do newsmaking, com o recorte da teoria construtivista, faz

    parte deste processo de aprendizagem. Ao fazer uma reviso bibliogrfica do tema, Souza (2001:12) agrupa sete fatores que considera interferir (sem julgamento de valor) no que faz a notcia ser o que : a) Pessoal As notcias so resultado das pessoas, das

    18 Traduo livre de Mrcia Marques e Rogrio dy L Fuente para discusso na disciplina da linha Jornalismo e

    Sociedade, do Programa de ps-graduao da Faculdade de Comunicao, da Universidade de Braslia

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    intenes e interaes dos autores e dos atores envolvidos no acontecimento. Uma secretria que esconde a fonte ou o agendamento produzido por uma ONG, por

    exemplo; b) Social As notcias so fruto das dinmicas e dos constrangimentos sociais (extra-organizacionais) e dos ambientes em que foram construdas e fabricadas. Dependem de fatores scio organizacionais e de tempo; c) Fora ideolgica As notcias so originadas por conjuntos de ideias que moldam os processos sociais, do referentes comuns e coeso a grupos, mesmo quando os interesses no so conscientes ou assumidos; d) Fora cultural As notcias so produto de sistema cultural que condiciona as perspectivas e/ou a significao que se tem do mundo; e) Meio fsico, ou suporte A apresentao das notcias depende do meio em que so apresentadas o

    tratamento de texto diferente no meio impresso e no eletrnico, por exemplo; f) Dispositivos tecnolgicos o desenvolvimento da tecnologia interfere na produo da notcia: o telgrafo provocou surgimento do lead, por exemplo; beneficiadas pela internet de alta velocidade e de programas que proporcionam a troca rpida e

    armazenamento virtual de informao, as redes sociais tm provocado intensas mudanas nas relaes profissionais dos jornalistas (no apenas no jornalismo, claro) e nas formas de circulao da notcia; g) Fora histrica As notcias so um produto da histria e tambm sua referncia. A cada perodo de crise aguda da economia, os jornais recorrem memria do Crack de 1929; a cada anncio de que um pas no alinhado vai produzir energia de matriz nuclear, lembra-se de Hiroshima e Nagasaki. Estes fatores ganham novos contornos com a produo do jornalismo online. O documento base do curso organizado pelo Knight Center oferece pistas sobre como

    tratar deste cenrio:

    A maior de todas as diferenas entre jornalismo online e offline no est nas redaes, mas sim fora delas. Durante quase 500 anos os consumidores de informao foram mantidos numa posio passiva em matria de produo de contedos noticiosos. Esta situao foi alterada radicalmente quando a internet deu s pessoas comuns o poder de publicar informaes na web, por meio de ferramentas simples como os weblogs, twitter e pginas web.19

    19 Texto do material de base do curso Jornalismo 2.0 para Professores do Instituto Knight Center Jornalismo para as

    Amricas, abril 2010.

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    A organizao jornalstica

    At chegar tela dos computadores, a notcia passa por um complexo processo de produo coletiva. No importa se o grupo de aprendizes, alunos do jornal-laboratrio, ou se o trabalho de jornalistas profissionais. O que se v na tela, em formato multimdia, que integra texto e as linguagens audiovisuais, resultado de um

    processo coletivo organizado, fruto de rotinas e negociaes entre pessoas que tm por objetivo comum produzir um jornal online. nos relacionamentos coletivos da redao que se d a troca de informaes e a ajuda mtua no enfrentamento de problemas para produzir notcia. Para que funcionem sem conflitos ou com o mnimo de rudo a

    organizao deve definir regras, explcitas ou implcitas, sobre o que comportamento aceitvel, tanto no nvel coletivo quanto no individual. A sociedade moderna se transformou em uma sociedade de organizaes e atravs delas o indivduo consegue ampliar as aptides, aproveitar melhor habilidades e

    conhecimento de cada um (Kunsch: 2003). Essas organizaes constituem aglomerados humanos planejados conscientemente, que passam por processo de mudanas se constroem e se reconstroem sem cessar e visam obter certos resultados. preciso levar em conta os fatores condicionantes neste processo (Goulart e Cunha: 1999: 57): as pessoas; a estrutura, com correspondente diviso do trabalho e hierarquia; a tecnologia do processo de trabalho; os objetivos desejados; o poder de influenciar, formar opinio; o ambiente, fonte de insumos e receptor dos produtos organizacionais. Quando se pensa no trabalho coletivo, colaborativo, em uma determinada organizao, como uma redao, por exemplo, preciso ter em mente que esta microssociedade opera nas mais diferentes dimenses sociais, econmicas, polticas e simblicas. Tambm importante considerar este grupo no ambiente como um todo, incluindo aspectos sociais, econmicos, polticos, tecnolgicos, ecolgicos e culturais

    variveis que interferem nas organizaes.

    Organizao, administrao e controle da produo jornalstica

    Editor, reprter, fotgrafo ou qualquer outra funo jornalstica tem papel definido e localizao especfica na cadeia organizada de produo cartesiana da notcia, da pauta publicao final da reportagem. Organizao, segundo Houaiss (2001:2.079), o ato ou efeito de organizar e, por analogia, organismo que serve

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    realizao de aes de interesse social, poltico, administrativo definio que cabe no que se espera de uma organizao jornalstica. Outro sentido para o termo grupo de pessoas que se renem para um objetivo, interesse ou trabalho comum, associao que tambm se encaixa no trabalho coletivo do laboratrio de jornalismo. Um outro significado oferecido por Houaiss, tambm por analogia, o de conjunto de normas e funes que tm por objetivo propiciar a administrao de uma empresa, negcio etc. . O quarto significado de ordenao das partes de um todo em que cabem os conceitos de hierarquia e funcionamento e onde se estabelecem as bases para o planejamento. Em uma organizao, as atividades dependem de um comprometimento e atitude

    coletivos e do estabelecimento de uma boa comunicao entre todos os participantes. Neste sentido, importante ressaltar que o trabalho de cada um relaciona-se com o de todos, que a organizao individual e coletiva, que cada indivduo faz parte de mais de uma equipe e que as pessoas executam diferentes tarefas. O fazer depende, portanto, das

    pessoas, do tempo e dos recursos que elas tm para alcanar os objetivos traados coletivamente.

    O funcionamento da redao, em geral absorvido pelos profissionais como jeito deste jornal trabalhar, tambm se ensina e se aprende em laboratrio. Para uma compreenso crtica das rotinas de um jornal, proveitoso utilizar-se dos saberes da administrao, especificamente da administrao da produo (Slack, Chambers e Johnston: 2002: 32), que estuda a maneira como as organizaes produzem bens e servios.

    A questo da administrao e organizao da produo conjuga-se com os conceitos de comunicao integrada (Kunsch: 2003). Os jovens devem compreender a importncia dos fluxos internos de comunicao para o processamento das funes administrativas e exercitar o dilogo que no significa reunio de concordantes com

    as organizaes e pessoas do meio externo, como parceiros, concorrentes, fontes e leitores.

    Em tempos de convergncia de mdias, de jornalismo de comunicao, as redaes produzem mais do que notcia, oferecem outros tipos de informao tratados com a narrativa jornalstica. A cada novo espao editorial, os meios lanam mo do que se chama de comunicao institucional responsvel pela formao da imagem das organizaes como produzir matria, com a narrativa jornalstica, para explicar ao leitor a criao de um novo servio, ou de uma nova editoria no jornal. Para o pleno

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    funcionamento da organizao, existem mecanismos de comunicao interna e de comunicao administrativa que tambm podem ser experimentados no aprendizado de

    jornalismo. Em contraponto ao termo burocracia, cunhado pela sociologia para definir uma estrutura organizacional rgida hierarquicamente, Kunsch lana mo do conceito de ad hocracia que pode servir para definir a forma de trabalho da produo em jornal: a estrutura grandemente orgnica; h pouca formalizao nos relacionamentos; h grande especializao horizontal (especialistas em diferentes reas); a produo se d por meio do trabalho de especialistas agrupados em pequenas equipes e o trabalho se apoia nos instrumentos de interligao (especialmente a comunicao), que chave para os mecanismos de coordenao intra e entre equipes. Outra caracterstica a descentralizao seletiva dentro e para equipes localizadas em diferentes pontos, com vrias combinaes de gerentes e peritos de assessoria e de operao. No artigo Da burocracia ad hocracia, publicado na Revista do Servio

    Pblico, Goulart e Cunha (1999) tratam do tema com foco na comunicao em sade. O quadro sobre estrutura de gesto bastante adequado s dimenses para a produo em jornalismo:

    Quando se fala em estrutura de gesto, o senso comum quase sempre busca a imagem de um organograma ou de um mero desenho esquemtico de quadros e linhas, mostrando postos, funes, hierarquias, competncias etc. O organograma, na verdade, deve ser considerado apenas uma consequncia da estrutura, cuja